segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

'' Sede canibal ''





















Ahhh!... mais um dia que nasceu...
e eu acordo sobressaltado pela penumbra da manhã clara
sinto no corpo a ressaca de mais uma noite mal digerida
... é tão estranho o meu tormento, e quando tento...
quando tento lembrar-me da madrugada anterior, e não consigo!...
tenho a garganta ressequida pelo vómito verde cru
pareço ter as entranhas dilaceradas por lâminas de dois gumes...

A minha vontade é isolar-me do mundo, mas em vez disso...
opto por afundar-me num mar de sombras que colonizam as ruas
as ruas escombrosas da cidade de cimento frio e nu!...
... tenho sede, nem sei de quê!?...
e o dia avança sedento, ansioso para ver a noite chegar...
e espreitá-la num esgar de desejos infindáveis

De repente... avisto essa silhueta de mulher que me provoca um nó no estômago
sigo-a confiante no seu passear vagaroso até uma ruela deserta e sombria
já a noite vai caindo, e eu interpelo-a incapaz de esconder este nervoso miúdinho...
e num avolumar de sensações, afogo a lâmina gelada no fígado...
e aguardo impacientemente pelo seu último sopro de vida, vazia...
... é tão quente o sangue que jorra do seu corpo despojado do ser!...

Ahhh!... é tão excitante poder devorar cada pedaço de mulher
aos poucos vou matando esta imensa e voraz sede de sangue e carne quente
estou a arder de jubilo!...

Já de barriga cheia, encaminho-me em passos arrastados para a toca
a noite está tenebrosamente fria e escura...
aqui e ali é insistentemente iluminada por néons que resistem, teimosos
colorindo o que não tem cor...
sinto o meu corpo a latejar de tanto reboliço
foi tão reconfortante matar a sede!...

( 2006 )

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